Tudo começou como sempre deveria: uma infância feliz. Foi no meio da natureza, brincando nas árvores e cachoeiras do Vale do Capão, na Chapada Diamantina (BA), que nasceu Ulan Galinski. Foi lá que nasceu também a paixão pela bicicleta, que faz dele hoje a principal promessa do mountain bike brasileiro. Aos 21 anos, o jovem baiano foi o
14º colocado no Sub-23 do último Mundial de MTB, o melhor resultado do Brasil na história da categoria, superando inclusive o próprio mentor, Henrique Avancini.
Orgulhoso das raízes, Ulan Galinski cresceu livre no pequeno vilarejo de três mil habitantes no município de Palmeiras. Filho de uma brasileira e um francês, ele pedala desde os quatro anos. Mas até 2013, a bicicleta era apenas um meio de transporte em sua vida rural. Vida esta rodeada de esportes, como futebol, boxe, capoeira e até circo. Mas foi o mountain bike que ganhou seu coração.
O primeiro passo
Há sete anos, inspirados pelos campeões de MTB da Bahia, Ulan e os amigos começaram a pedalar para valer, fazendo trilhas. A modalidade virou uma febre e ele logo pediu uma bicicleta de competição para a família. Sem muitas condições financeiras, eles se juntaram e conseguiram atender o pedido. Foi o primeiro passo, que mudaria a vida do pequeno Ulan.
“A gente não tinha muita condição na época, mas juntou toda a família, cada um deu um pouquinho e pude ter uma bike para competir. No final de 2013, fui para a sexta etapa do Campeonato Baiano e fiquei em sexto lugar na categoria turismo. Fiquei apaixonado pelo esporte. Sempre amei competir, sempre fui muito competitivo e sempre amei testar os meus limites. E eu tenho uma conexão muito forte com a mãe natureza desde pequeno. Então estar em contato com ela me faz feliz e me fortalece”, contou Ulan Galinski ao Olimpíada Todo Dia.
Ulan e a conexão com a natureza (Instagram/ulangalinski)
Mas um ponto em especial fisgou o baiano de jeito. “O mountain bike tinha uma coisa que me chamou muito a atenção, que foi o respeito e o companheirismo que os atletas têm um pelo outro. Apesar de ser um esporte individual, as pessoas se respeitam e se ajudam muito e isso vai de acordo com os meus valores como ser humano”.
80 km de ouro
No ano seguinte, Ulan decidiu que tentaria competir com mais frequência. Foi a mais etapas do Campeonato Baiano, mas foi uma viagem de 80km que fez toda a diferença.
“E tive uma virada de chave, que foi assistir à Ultramaratona de Mountain Bike Brasil Ride. Fui pedalando até Mucugê, a 80 km da minha cidade e foi lá que conheci o [Henrique] Avancini. Mas principalmente, foi lá que eu vi a estrutura de atletas e equipes profissionais, e que dava para se viver do esporte”.
A corrida não valeu medalha, mas valeu ouro. Isso porque fez Ulan Galinski decidir que queria ser atleta profissional. Já no ano seguinte, em 2015, foi campeão baiano na categoria júnior e o gosto pela competição só crescia.
O ultimato e o primeiro contrato
Depois de terminar os estudos, no entanto, chegou o momento de decidir entre fazer faculdade e seguir na carreira esportiva. “Eu saí da escola e pedi um ano para minha mãe. Ela falou que não, que eu precisava fazer faculdade, para eu tentar conciliar com o esporte… Mas eu falei que ia trabalhar e pedi um ano e se nesse ano eu não conseguisse uma equipe, eu faria faculdade”.
Ulan trabalhou, então, por oito meses como garçom para poder custear as viagens. E valeu a pena. Meses depois, veio uma oportunidade em uma equipe estadual e ele pôde largar o trabalho. E os resultados logo vieram.
Ulan assinou seu primeiro contrato com a TSW Racing Team (Cesar Delong Photo)
“Participei pela primeira vez da Copa Internacional em São João del Rei, que é a competição mais importante do Brasil, e fiquei em 14º. Levei uma surra dos meninos (risos). Mas foi bom e voltei para casa mais motivado. Depois fui campeão da categoria júnior e foi um dia muito marcante para mim, ganhar a competição mais importante do Brasil na categoria de base”.
Os bons resultados chamaram atenção das equipes nacionais e decidiram o rumo de Ulan Galinski. “A TSW Racing Team conversou comigo e falou que se eu tivesse um ano consistente, me contrataria. Tive um bom ano em 2017 e em 2018, fechei meu primeiro contrato profissional. Foi a realização de um grande sonho, lembro até hoje. Foi muito gratificante a sensação de estar vivendo daquilo que eu amo e que eu escolhi fazer”.
Pupilo de Avancini
Avancini e Ulan no pódio da Copa Internacional deste ano (Movimento Caloi)
Ulan não chamou a atenção “apenas” das equipes nacionais. Ele chamou a atenção do maior atleta da história do mountain bike brasileiro. Em 2019, viveu o melhor ano da carreira até então, com direito a primeiro lugar no ranking brasileiro sub-23 de XCO (cross country olímpico). Foi então que recebeu o convite de Henrique Avancini, que é do
Time Ajinomoto, para
fazer parte de seu time em 2020.
“Quando eu olho para trás e penso se alguém me falasse há três anos atrás que eu faria parte da equipe do Henrique Avancini, eu ia achar bem engraçado, que a pessoa estava brincando comigo. Foi um grande sonho. No começo eu não acreditei, eu conheci esse cara em 2014, pedalei 80km só para tirar uma foto com ele e hoje estou sendo chamado para fazer parte do time dele. Foi algo mágico e bem especial. Então eu sinto que estou no lugar certo”
E fazer parte do time de Avancini vai muito além das pistas. “Admiro o ser humano que ele é. Acho que independente de ele ser campeão mundial, independente de ele ganhar a Copa do Mundo, a mensagem que ele traz por trás do que ele faz, para mim é o mais importante. Isso é algo que eu me identifico muito, não fazer apenas por ele, fazer por outras pessoas, pelo esporte. Isso é o que está faltando um pouco no mundo”.
O Mundial histórico
Sete anos depois de o mountain bike entrar em sua vida, Ulan Galinski embarcou para a Áustria para estrear no Campeonato Mundial de MTB. Para tanto, foi preciso superar um ano atípico e que exigiu dele muita força mental. E apesar das condições desafiadoras da pista, o final foi feliz.
Ulan foi o 14º colocado no Mundial Sub-23 de MTB (Michele Mondini)
“Esse ano foi muito doido. Comecei muito feliz, com equipe nova, bons resultados… E aí, do nada, tudo cancelado. Então no início do ano eu passei por uma frustração muito grande. Passei pelo período de aceitação e depois prometi para mim mesmo que independente da quarentena, de ter competição ou não, eu iria dar o meu melhor para quando tivesse oportunidade de competir, eu estar pronto. Eu sabia que eu iria para o Campeonato Mundial em algum momento e desde o início da quarentena me preparei para esse objetivo”.
“Eu sabia que o resultado não seria o mais importante. A experiência em si seria importante para o atleta que eu vou me tornar um dia. Largar ao lado dos melhores do mundo é uma escola, uma faculdade. Aprendi muita coisa, tirei grandes lições, e voltei para casa cheia de aprendizado, com uma lista de coisas que preciso aperfeiçoar, melhorar. Então foi importante para o meu crescimento de uma maneira geral. Fiquei feliz com o resultado, foi um marco”.
A força da paciência
Ulan adaptou os treinos durante a quarentena (Instagram/ulangalinski)
Ulan, no entanto, queria mais. A expectativa antes da corrida era que ele conseguisse um top 10 ou até mesmo um top 5. Mas passada a adrenalina da competição, ele reconhece o ótimo resultado e que precisa ir um passo de cada vez.
“Confesso que foi abaixo do que eu mentalizei no meu processo de preparação até a corrida. Mas depois com calma, analisando, fiquei muito feliz pensando na magnitude que esse evento representa e foi especial para mim. Fiquei feliz de fazer história. Mas faltou experiência e adaptação de corrida nesse nível. É muito diferente. Mas enfim, isso não é desculpa”, destacou.
“E o mais importante foi saber que eu fui fiel ao meu sonho, à minha equipe e às pessoas que acreditam em mim. Tenho bem claro na minha cabeça que tenho que dar um passo de cada vez. Pouco a pouco a gente vai chegar lá, tudo no tempo certo. Quando tiver que acontecer vai acontecer. Eu acho que a gente não precisa ficar apressando as coisas. Ter paciência é importante”.
Futuros
Ulan estreia na elite ano que vem e segue os passos de Avancini (Pedro Cury)
A curto prazo, o foco de Ulan Galinski é o Campeonato Brasileiro de mountain bike, que acontece neste fim de semana (30 e 31 de outubro). E depois, merecidas férias. Mas a cabeça, inevitavelmente, já pensa na próxima temporada, que tem tudo para ser mais um ano especial. Isso porque ele deixará o Sub-23 para entrar de vez na elite do MTB. E a expectativa – e a perspectiva – é a melhor possível.
“Eu consegui andar entre os três primeiros da super elite, tive bons resultados, então isso de certa forma me dá uma confiança a mais. Vai ser meu primeiro ano na categoria elite, então é um novo ciclo, mas estou bem animado. O Henrique Avancini sempre fala que é quando realmente inicia a vida profissional de um atleta, então estou pronto para isso. Se tiver que tomar na cabeça, vou tomar e vou aprender. Eu sei que isso vai ser importante para o meu crescimento. E vou tomar na cabeça agora para dar na cabeça um dia”.
Mas além dos resultados, Ulan Galinski também segue os passos do ídolo Avancini fora das pistas. Como inspiração. “Vejo minha história como uma mensagem para outras pessoas e isso me motiva todo dia. Eu acredito muito no poder social que o esporte tem e entendo que esse é meu propósito e minha missão na Terra: tentar inspirar o máximo de pessoas possíveis. É a realização de um sonho e é só o começo”, concluiu.
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