De acordo com o preço inicial das ações, o valor de mercado da companhia deve ficar em 8 bilhões de dólares. Mas, olhando além do balanço, a Peloton é o maior símbolo de uma revolução no que se entende por fitness: nunca antes na história pedalou-se tanto sem sair do lugar.
O investimento inicial para ter uma bicicleta Peloton em casa é de US$ 2.200 dólares. Além disso, é necessário pagar uma assinatura de 40 dólares mensais para acessar as aulas, que acontecem num estúdio da empresa em Nova York e são transmitidas ao vivo pela internet.
As bikes têm uma tela de alta definição de 22 polegadas integrada, e a qualidade dos vídeos é profissional: os treinos são filmados de diversos ângulos, e cada transmissão conta com um diretor. Os sócios dessa “academia virtual” podem fazer as aulas em tempo real ou então acessar uma biblioteca com milhares de treinos gravados.
Os instrutores são telegênicos e muito animados, como não poderia deixar de ser, e são parte fundamental do modelo de negócios. Além do cuidado com o audiovisual, a empresa preta atenção ao lado social: os usuários podem acompanhar a performance dos outros alunos por meio de um ranking (também com informações em tempo real) e incentivar e parabenizar uns aos outros com um “high five” virtual.
Por enquanto, a Peloton é a única empresa com um modelo vertical, vendendo o equipamento e as assinaturas. A expectativa é que a rede americana de academias Equinox, também dona das academias especializadas em spinning Soul Cycle, lance um produto semelhante.
Pedalando no videogame
Mas a moda de pedalar em casa avança de outras maneiras – o que significa potenciais concorrentes para a Peloton. O melhor exemplo é o Zwift, uma espécie de videogame em que o usuário pedala em casa para treinar ou competir com avatares de ciclistas do mundo todo.
O serviço também cobra assinatura (15 dólares mensais) e precisa ter uma bicicleta acoplada a um smart trainer, que aumenta a resistência de acordo com os terrenos do mundo virtual. Pedalar na subida, por exemplo, fica muito mais duro; manter-se atrás de outro ciclista, ao abrigo do vento, significa economizar energia.
O Zwift foi desenvolvido por Eric Min, um ciclista obstinado e acostumado a treinar em casa quando o tempo fora estava ruim (no inverno do hemisfério norte, ciclistas que querem começar a primavera em forma não têm outra alternativa se não pedalar quilômetros e quilômetros no que chamam de “caverna do sofrimento”). Mas as alternativas sempre foram um teste da determinação dos atletas: pedalar olhando para a parede, suando litros e sem sair do lugar.
A primeira versão do Zwift, um mundo virtual chamado Jarvis Island, foi lançado em setembro de 2014. Havia 1 000 vagas para usuários testadores, mas mais de 13 000 pessoas se ofereceram para ser cobaias. Pouco mais de um ano depois, o serviço foi lançado oficialmente, já com o modelo de assinatura.
A empresa já registrou 1,1 milhão de usuários nos cinco anos de vida, que pedalaram mais de 300 milhões de quilômetros na plataforma (em novembro do ano passado, um australiano foi o primeiro a passar de 100 000 quilômetros).
"Doping digital"
O Zwift também entrou para a rotina de treinamento de ciclistas profissionais e de celebridades do Vale do Silício como Mark Zuckerberg (fundador e CEO do Facebook) e Kevin Systrom (um dos criadores do Instagram). A plataforma também lançou no primeiro semestre a primeira temporada de uma liga oficial de competições, num modelo parecido com o dos e-sports: os competidores vão todos para o mesmo lugar e competem uns contra os outros dentro do videogame. “Quero que [o ciclismo virtual] seja um esporte olímpico”, disse Min, numa entrevista recente.(Como estamos falando de ciclismo e competição, não há como evitar o tema do doping. Nas corridas que os próprios usuários organizam, não é incomum encontrar casos de “doping digital”: se o usuário mentir seu peso para cima na hora do cadastro, seu avatar vai se deslocar mais rápido, pois o Zwift usa o peso como um dos parâmetros para determinar sua velocidade nas estradas virtuais.)
Em grande parte graças ao sucesso do Zwift, o mercado de ciclismo indoor está atravessando uma revolução. O que era restrito somente ao mais ferrenho dos ciclistas agora está entrando no radar de quem quer se manter em forma – e se entreter ao mesmo tempo. O Fulgaz oferece imagens reais, gravadas em estradas do mundo inteiro, para simular a experiência – e a dor nas pernas – dos ciclistas que competem no Tour de France, por exemplo.
Mas a maior mostra do boom desse mercado foi dada na Eurobike, maior evento do mundo do setor de bicicletas. Junto das bikes elétricas, as principais novidades anunciadas na feira foram smart trainers e acessórios para pedalar em casa usando uma dessas plataformas virtuais.
A Wahoo, uma das líderes do segmento de smart trainers, apresentou uma bicicleta completa que até mesmo eleva a parte dianteira para simular subidas em serviços como o Zwift (o preço também é elevado: US$ 3 500). A Tacx, empresa holandesa adquirida no início do ano pela americana Garmin, demonstrou a Magnum Smart, esteira para bicicletas que deve custar cerca de US$ 9 500 – um preço que sugere o uso em academias, não por consumidores finais.
Daniel Wenzel Mendes, 39, é apaixonado por bicicletas, pedala regularmente há mais de 25 anos e trabalha na Dorel Sports, holding dona de marcas como Cannondale e a brasileira Caloi. Mendes, que mora em Connecticut, se inscreveu numa prova de longa distância em maio deste ano, o que significaria ter de treinar durante o rigoroso inverno do nordeste dos Estados Unidos. A solução foi o Zwift.
“A experiência foi excelente. Treinar em casa, olhando para a parede, é chato, mas o Zwift é uma boa simulação de pedalar na rua”, diz ele. “Tem o ambiente do jogo, a competitividade com os outros usuários. Quando você se deu conta, já treinou uma hora.”
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