A nutrição no ciclismo é um dos pilares mais importantes para quem busca melhor desempenho, recuperação eficiente e evolução consistente nos treinos. Mesmo com todos os avanços em tecnologia, análise de dados, treinamento estruturado e equipamentos de alto nível, muitos ciclistas ainda negligenciam um fator decisivo: o que, quando e quanto comer.
Foi a partir dessa realidade que surgiu a conversa entre o GoRide e Pedro Meirinhos, nutricionista esportivo com ampla experiência no ciclismo de estrada, MTB e gravel. Sem promessas milagrosas ou dietas extremas, o especialista destaca cinco princípios fundamentais, sustentados por evidências científicas e pela prática diária com atletas profissionais e amadores.
1. Carboidratos continuam sendo a base do rendimento no ciclismo
No ciclismo, esporte de resistência por excelência, os carboidratos (hidratos de carbono) seguem como o principal combustível para o corpo. Segundo Pedro Meirinhos, não há dúvidas:
“Os carboidratos são o nutriente mais importante para atletas de resistência”.
Quanto maior a intensidade e a duração do esforço, maior é a dependência desse substrato energético. Um erro comum é iniciar treinos exigentes com baixa disponibilidade energética, o que compromete o rendimento e a qualidade do estímulo.
Estratégias de treino com baixo consumo de carboidratos existem, mas precisam ser cuidadosamente planejadas dentro do ciclo de treinos. “O atleta não deve buscar performance quando começa o treino energeticamente deficitário”, explica o nutricionista.
Outro ponto-chave é a adaptação digestiva. Testar diferentes fontes, marcas, formatos (géis, bebidas, barras, alimentos reais) e texturas durante os treinos ajuda a evitar problemas gastrointestinais e melhora a capacidade de absorção durante as provas.
“Aquilo que o atleta treina na alimentação, ele consegue executar na competição”, reforça.
2. Nem todo treino exige a mesma ingestão de carboidratos
Um dos princípios mais importantes da nutrição esportiva moderna é o conceito de “fueling for the work required” — ou seja, alimentar-se de acordo com o objetivo do treino.
Sessões curtas e de baixa intensidade (Z1 e Z2) não demandam o mesmo aporte energético que treinos longos, intervalados ou de alta intensidade. Nesses casos, pode fazer sentido reduzir o consumo de carboidratos e estimular uma maior utilização de gordura como fonte de energia.
Treinos em jejum ou com baixo aporte de carboidratos podem ser utilizados estrategicamente, desde que bem planejados. “Esse tipo de estímulo pode ajudar a preservar o glicogênio para momentos decisivos”, explica Meirinhos.
3. Quanto mais longo o treino, maior deve ser a ingestão de carboidratos por hora
A ingestão de carboidratos durante o exercício deve acompanhar o tempo e a intensidade do esforço:
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Até 1 hora: não há ganhos claros de desempenho com ingestão de carboidratos
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1 a 2 horas: 30 a 60 g de carboidratos por hora
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2 a 3 horas: 60 a 90 g por hora
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Acima de 2h30–3h: 90 a 120 g por hora (ou mais, em atletas bem treinados)
Esse processo precisa ser progressivo. “Ninguém passa de 60 para 120 gramas de um dia para o outro”, alerta o nutricionista.
A partir de consumos mais elevados, torna-se essencial combinar diferentes tipos de açúcares. A frutose, por utilizar um transportador intestinal diferente da glicose e da maltodextrina, permite aumentar a ingestão total sem sobrecarregar o sistema digestivo.
Por isso, estratégias com proporções como 1:0,8 ou 1:1 entre glicose e frutose são amplamente utilizadas no ciclismo moderno.
4. A recuperação também depende da proteína
No pós-treino, a prioridade inicial deve ser a reposição de carboidratos, especialmente quando há treinos em dias consecutivos. No entanto, a proteína desempenha papel fundamental na recuperação muscular, adaptação ao treino e prevenção de lesões.
Pedro Meirinhos chama atenção para o excesso de confiança em produtos comerciais:
“Muitos recuperadores prontos têm pouca proteína para o que realmente é necessário”.
Mais importante do que suplementos específicos é garantir uma ingestão adequada de proteínas ao longo do dia, por meio de refeições equilibradas e lanches estratégicos.
Carnes, peixes, ovos e laticínios são fontes de alta qualidade, mas proteínas vegetais também podem atender às necessidades quando bem combinadas e consumidas em quantidades adequadas.
5. Hidratação e cafeína: dois aliados subestimados
A hidratação continua sendo um fator crítico no desempenho esportivo. A desidratação compromete diretamente a performance, a termorregulação e a capacidade de sustentar intensidade.
“Desidratar-se é tão prejudicial quanto esgotar o glicogênio muscular”, alerta o nutricionista.
Em treinos e provas acima de uma hora, água pura pode não ser suficiente. Bebidas com eletrólitos, especialmente com sódio, favorecem uma hidratação mais eficiente.
As necessidades de sódio costumam variar entre 250 e 500 mg por hora, podendo ser maiores em condições de calor, umidade ou em atletas com suor mais salgado.
Já a cafeína segue sendo uma das substâncias com maior respaldo científico no ciclismo. Seu principal benefício é reduzir a percepção de esforço, permitindo manter intensidades mais altas por mais tempo.
A dose geralmente recomendada varia entre 3 e 6 mg por quilo de peso corporal, com pico de efeito cerca de uma hora após a ingestão. Em provas longas, pequenas doses adicionais ao longo do percurso podem ser eficazes.
Como toda estratégia nutricional, a recomendação é clara: testar nos treinos antes de usar em competição.
A nutrição no ciclismo vai muito além de comer “bem” ou seguir modismos. Ela precisa ser planejada, individualizada e alinhada ao treino. Carboidratos, proteínas, hidratação e suplementação inteligente fazem toda a diferença no rendimento e na recuperação.
Quando bem aplicada, a nutrição deixa de ser um detalhe e passa a ser um verdadeiro fator de performance.
Fontes: GoRide.pt / Pedro Meirinhos / International Society of Sports Nutrition (ISSN) / Journal of Sports Sciences / British Journal of Sports Medicine


