Neves completou a prova em 1h46min23seg (Foto: Rita Oliveira/Sesc) |
. Uma hidrocefalia e a má formação óssea da coluna, para o "doutor", eram irreversíveis e obrigava a mãe de primeira viagem interromper a gestação. José Rosa das Neves, contrariado, negou-se a comparecer no consultório.
"Ele me chamou para informar que precisaria ser feito um aborto e eu não fui. Falei para a minha ex-mulher: "Nem vou falar com ele". Aquilo era um absurdo. Pensei: independente de como vier, eu vou cuidar" - lembrou.
José Rosa das Neves e o inseparável filho durante a transição natação-ciclismo, em Caiobá |
. O tempo passou, o amor cresceu, mas dinheiro encurtou. Apesar de tudo, a escassez não abalava a família Neves, que no sexto aniversário de Elkier e quinto de Ildyane, comemorou o nascimento do terceiro herdeiro, Luis Iran.
Separação e Superação
. O que parecia ser uma família sólida, ruiu da noite para o dia. A esposa pediu divórcio, saiu de casa e deixou os três filhos - Elkier, Ildyane e o recém-nascido Iran, com nove meses -, sob a guarda do pai Neves.
"Quando fiquei sozinho com as crianças, sofri, chorei, não sabia o que fazer. Foi o pior momento da minha vida. Pensei no pior. Na última hora você sempre pensa o pior..." - relembrou José Rosa das Neves, sem citar o que seria aquele "pior".. Desempregado, vivendo às custas do subsídio oferecido pelo governo a Elkier, de R$ 720 mensais, Neves se superou. Mesmo passando dificuldades, soube desdobrar-se no papel de pai e mãe.
. Quando Iran cresceu e Ildyne aprendeu a cuidar melhor de Elkier, José Rosa das Neves conseguiu um emprego.
. Não tinha e nem oferecia aos filhos "do bom e do melhor, mas vivia com o necessário" - como ele gosta de dizer, até descobrir que o necessário ainda era pouco.
Esporte ao Vento
. Os cuidados e necessidades aproximaram Neves e Elkier. Ambos se conheciam pelo tato, pela troca de olhar, pelo sorriso. A sintonia era tanta que durante o trajeto para uma consulta médica, um pano alçado ao vento pelas mãos do garoto chamou a atenção de Neves.
"Nós estávamos andando pela rua, normal, quando vi ele erguer aquele paninho para ver o vento balançar. Ele gostava daquilo, então, decidi ousar"- lembra. Neves, que sempre gostou de praticar esportes, começou a levá-lo para alguns treinos de corrida. O sorriso o inspirava a mantê-lo cada vez mais próximo, carregando-o a lugares cada vez mais distantes, até surgir a oportunidade de fazer uma prova de rua.
- Resolvi empurrar a cadeira numa corrida em 2013. Toda vez que passávamos pelo público ele ficava feliz com os aplausos. Aquilo era demais. Eu achava que trocar fralda era o bastante, mas aprendi que o esporte também é muito grande. Não estou aqui apenas para dar comida, dar banho. Quero andar, sair, viajar, ir para vários lugares com ele.
Mesmo com o mar mexido, Neves foi bem na natação (Foto: Cleber Akamine) |
- Foram cinco dias de internação. Sofri junto com ele. Pensei: "eu preciso curtir mais esse cara". Foi quando resolvi fazer um duatlo em novembro, e o triatlo em dezembro.. Sem os equipamentos necessários para realizar as três modalidades (natação, ciclismo e corrida), Neves, em 2014, limitou-se a nadar e correr com Elkier nas provas, deixando-o na área de transição durante o ciclismo.
José Rosa das Neves nadou os 750m com o filho Elkier no bote |
- Um dia me enviaram o DVD e fiquei olhando aquela imagem, pensando em como fazer. Primeiro você pensa nas dificuldades, depois você supera todos elas. O barco inflável, por exemplo, eu ganhei de uma amiga. A cadeirinha eu tive que adaptar. E por aí vai - comentou.
Investimento e Falta de Incentivo
. José Rosa das Neves não tem vergonha de dizer o quão difícil é manter-se no triatlo. O esporte, caro por agregar três modalidades, pede um aporte financeiro. Ao levar sua história a políticos e empresários, Neves afirma que a sensibilidade toca, mas não atinge os bolsos.
- Quando você precisa de apoio, ninguém dá. O triatlo é um esporte de elite. Para um trabalhador que ganha um pequeno salário por mês praticar, é preciso ter apoio. As pessoas se sensibilizam, mas poucos ajudam. Eu não sou grande. Quem me faz grande são aqueles que apoiam - comentou Neves, que evita, por exemplo, falar o nome da cidade onde vive, justamente por ser ignorado pelos seus representantes políticos.. Para chegar ao Circuito Nacional Sesc, Neves contou com a ajuda de velhos amigos.
- Mexer com o bolso dos outros não é fácil. Tirar parte do lucro da pessoa não é fácil. Não existe essa cultura no Brasil. Se fosse nos Estados Unidos, eu não precisaria trabalhar mais. Aqui é um ou outro.Risos e Parceria
. Participar de provas com o Elkier deixou de ser um passeio. A cada ultrapassagem, segundo Neves, a vibração dentro do carrinho se transforma em fonte de energia.
- Quando passamos alguém durante a prova, ele mexe os braços e vibra, colocando a mão no rosto e dando risada. Quem não gosta de uma festa, de um barulho, de estar em evidência? Ele consegue expressar seus sentimentos. As provas que fiz com ele, essa alegria era notória. Eu não tenho razões para competir sozinho. Estou cansado, sou avô. Correr sozinho, por qual motivo? Não faz sentido - comentou Neves, que já teve de se explicar em uma borracharia.. Um "adversário" o reconheceu durante uma troca de pneus e Elkier, presente no momento, caiu na gargalhada durante a conversa.
- Eu estava na oficina e um rapaz falou: "vocês me passaram na corrida". O Elkier, atento, começou a dar risada. Ele perguntou: "por que ele está sorrindo?". Aí tive que explicar. "Ele entende tudo o que você está dizendo e adora quando passamos as pessoas nas corridas" - contou.Família de Campeões
. José Rosa das Neves e Elkier das Neves completaram juntos, pela primeira vez, uma prova de triatlo. Com o tempo de 1h46min23seg, o técnico predial cruzou a linha de chegada sob aplausos do público presente na etapa inaugural do Circuito Nacional Sesc de triatlo, em Caiobá, no Paraná.
. Neves, que mora na região metropolitana de Curitiba, já havia participado de outras provas de triatlo, mas esta foi a primeira com Elkier nas três modalidades, já que o carrinho adaptado para a bicicleta foi uma conquista recente.
Luis Iran, o filho mais novo, aquele que fora deixado com o pai aos nove meses, segue os passos do pai e do irmão. Presente na prova em Caiobá, o garoto foi campeão na categoria 16-19 anos, terminando o percurso conhecido como short triatlo (750m de natação; 20km de ciclismo; 5km de corrida) em 1h07min01seg.
. Questionado sobre a possibilidade de um dia carregar o irmão Elkier em uma prova, como fez o pai, Luis Iran chorou.
- É um sonho. Eu tenho essa vontade. Quase fiz isso no ano passado, mas um dia eu sei que vou fazer. Tenho um carinho muito grande por ele, sei o tanto que é importante para ele. É um orgulho para mim, para o meu pai - comentou Iran.
Luis Iran foi campeão na categoria 16-19 do Circuito Nacional (Foto: Cleber Akamine) |
Fonte: http://globoesporte.globo.com/triatlo/noticia/2015/03/pai-nega-orientacao-medica-de-aborto-cuida-e-leva-filho-para-prova-de-triatlo.html
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