:: Em entrevista ao site PÚBLICO DESPORTO Eddy Merckx fala um pouco sobre sua carreira...
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"No continente europeu, diz-se que o dia 21 de Julho de 1969 foi essencial na História da Humanidade, por dois motivos: um homem chamado Neil Armstrong pisou a Lua e um homem chamado Eddy Merckx ganhou o seu primeiro Tour." A frase de David Walsh, autor de obras sobre ciclismo, é apenas uma pista sobre a importância que Merckx teve na sua modalidade e no desporto em geral. O belga, agora um reformado de 65 anos, que está nos livros como o recordista de triunfos (525), de vitórias nas grandes Voltas (11), nas clássicas (28), continua a revelar a mesma paixão pelo ciclismo.
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PÚBLICO - Se estivesse agora a começar, quereria ser ciclista?
Eddy Merckx - Absolutamente. Agora ou daqui a 50 anos, se pudesse escolher, voltaria a ser ciclista.
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PÚBLICO - Concorda com aqueles que dizem que o ciclismo está menos competitivo e emocionante?
Eddy Merckx - Não. Há, sim, mais pressão mediática, porque há mais pessoas e jornalistas a seguirem a modalidade, especialmente durante o Tour. Mas o ciclismo continua igualmente duro, igualmente espectacular. Um campeão de hoje seria um campeão de outra época.
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PÚBLICO - Olha para o pelotão e vê ciclistas com a qualidade dos da sua geração?
Eddy Merckx - Sim. Vemos alguém como o Philippe Gilbert, como o Andy Schleck e percebemos que são ótimos ciclistas. O ciclismo mudou, evoluiu, mas o Tourmalet continua a ser o Tourmalet, o Tour continua a ser o Tour.
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PÚBLICO - Não mencionou Contador...
Eddy Merckx - Depende do que decidir o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS). Ele tem qualidade, mas precisamos dessa decisão para saber se é realmente um grande ciclista ou não. Espero que esteja inocente, porque seria mau para a modalidade.
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PÚBLICO - E, mais uma vez, vemos o doping associado ao ciclismo...
Eddy Merckx - Não há mais doping no ciclismo do que noutros desportos. Simplesmente, há mais controlo. É o desporto mais difícil, mais duro, mas também o mais bonito. O doping não faz nada: um ciclista é campeão porque tem talento, porque se esforça e é tudo.
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PÚBLICO - Em tempos disse que para ganhar uma grande Volta era preciso ser bom todos os dias. Agora, olhando para as três grandes e vendo quem acaba em primeiro da geral, está convicto do mesmo?
Eddy Merckx - É exatamente a mesma coisa. Pode perder-se uma grande Volta todos os dias, seja numa etapa plana, numa de montanha, num contra-relógio. Só quando se atravessa a meta na última etapa, no último dia, é que a vitória está segura.
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PÚBLICO - É tido como um dos melhores ciclistas de todos os tempos, mas vendo o seu currículo não restam dúvidas de que é o melhor de sempre. Não considera injusto não o cotarem como tal?
Eddy Merckx - Não, nem penso nisso. O mais importante é verem-te como o melhor enquanto competes. Interessa seres o melhor da tua geração. Fazerem comparações entre tempos e épocas diferentes é uma estupidez.
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PÚBLICO - Ao contrário dos outros grandes ícones da modalidade, não se contentou com vencer as grandes Voltas. Ganhou clássicas, campeonatos do mundo, bateu o recorde da hora... Qual era o segredo da sua polivalência?
Eddy Merckx - Era uma combinação de motivação e talento, de uma vontade intrínseca de constante superação pessoal, que implicava o estabelecimento de desafios novos todos os anos. Nunca pensava que era o melhor e que isso bastava, sabia que tinha de me sacrificar mais, trabalhar mais. Noutros esportes é igual. Por exemplo, porque é que o Federer e o Nadal estão há tanto tempo no topo? Porque treinam muito, são verdadeiros desportistas e esforçam-se para ser sempre melhores.
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PÚBLICO - Basta ser-se naturalmente bom?
Eddy Merckx - O talento não é suficiente. É preciso talento, mas depois a pessoa tem de trabalhar muito, caso contrário, mais cedo ou mais tarde, a sua carreira acaba. Veja-se o exemplo do [Frank] Vandenbrouke [morreu de overdose]: tinha talento, estava no topo e perdeu-se em saídas à noite, em discotecas, no consumo de cocaína. Se não se for um desportista na essência da palavra não se vai ter sucesso. É fácil chegar ao topo, difícil é lá ficar.
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PÚBLICO - E, no seu caso, quais foram os traços distintivos?
Eddy Merckx - Ser capaz de sofrer mais do que os outros. E o facto de os meus pais me terem educado muito bem. Deles herdei a força, a coragem, o realismo de saber manter sempre os pés no chão.
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PÚBLICO - Apoiaram-no quando decidiu ser ciclista?
Eddy Merckx - Completamente.
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PÚBLICO - Como descobriu que era essa a profissão que queria ter?
Eddy Merckx - Não sei. Tinha três, quatro anos e dizia que queria ser ciclista. Ninguém da família tinha ligação à modalidade nem ninguém que eu conhecesse. Penso que, da mesma forma que alguém se torna padre ou decide ser advogado, eu senti que queria ser corredor.
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PÚBLICO - Porque abandonou tão novo?
Eddy Merckx - Mentalmente, não era possível continuar. Não foi uma questão de capacidade física, embora tenha tido várias lesões. Tinha sempre de ganhar, de ser o número um. Tinha muito mais pressão do que qualquer outra pessoa. Por exemplo, com o Indurain aconteceu a mesma coisa. Tornou-se demasiado cansativo e senti que tinha de parar.
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PÚBLICO - Deixou de ter motivação?
Eddy Merckx - Estava farto, não tinha a mesma vontade de correr.
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PÚBLICO - Olhando para trás, ficou alguma prova por ganhar?
Eddy Merckx - Não, de maneira nenhuma. Não tenho qualquer arrependimento. Não trocaria uma Milan-San Remo por um Paris-Tour [única clássica que não ganhou].
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PÚBLICO - No momento em que anunciou o seu abandono, descreveu o dia como o mais triste da sua vida. Continua a sentir o mesmo?
Eddy Merckx - Já não. Algum dia tinha de parar. Não podia continuar só pelo dinheiro, era demasiado duro. Não era como hoje em dia. Fazíamos 95 corridas por ano.
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PÚBLICO - Preferia ter-se despedido como Lance Armstrong?
Talvez. Mas, ao contrário dele, nunca tive o impulso de voltar.
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PÚBLICO - Conseguiu desligar-se do ciclismo?
Eddy Merckx - Nunca. Criei uma fábrica de bicicletas, continuo a pegar na bicicleta quase todos os dias, só como hobby. Quem gosta de ciclismo, gosta sempre.
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Fonte Público Desporto
Link Origem
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PÚBLICO - Se estivesse agora a começar, quereria ser ciclista?
Eddy Merckx - Absolutamente. Agora ou daqui a 50 anos, se pudesse escolher, voltaria a ser ciclista.
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PÚBLICO - Concorda com aqueles que dizem que o ciclismo está menos competitivo e emocionante?
Eddy Merckx - Não. Há, sim, mais pressão mediática, porque há mais pessoas e jornalistas a seguirem a modalidade, especialmente durante o Tour. Mas o ciclismo continua igualmente duro, igualmente espectacular. Um campeão de hoje seria um campeão de outra época.
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PÚBLICO - Olha para o pelotão e vê ciclistas com a qualidade dos da sua geração?
Eddy Merckx - Sim. Vemos alguém como o Philippe Gilbert, como o Andy Schleck e percebemos que são ótimos ciclistas. O ciclismo mudou, evoluiu, mas o Tourmalet continua a ser o Tourmalet, o Tour continua a ser o Tour.
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PÚBLICO - Não mencionou Contador...
Eddy Merckx - Depende do que decidir o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS). Ele tem qualidade, mas precisamos dessa decisão para saber se é realmente um grande ciclista ou não. Espero que esteja inocente, porque seria mau para a modalidade.
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PÚBLICO - E, mais uma vez, vemos o doping associado ao ciclismo...
Eddy Merckx - Não há mais doping no ciclismo do que noutros desportos. Simplesmente, há mais controlo. É o desporto mais difícil, mais duro, mas também o mais bonito. O doping não faz nada: um ciclista é campeão porque tem talento, porque se esforça e é tudo.
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PÚBLICO - Em tempos disse que para ganhar uma grande Volta era preciso ser bom todos os dias. Agora, olhando para as três grandes e vendo quem acaba em primeiro da geral, está convicto do mesmo?
Eddy Merckx - É exatamente a mesma coisa. Pode perder-se uma grande Volta todos os dias, seja numa etapa plana, numa de montanha, num contra-relógio. Só quando se atravessa a meta na última etapa, no último dia, é que a vitória está segura.
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PÚBLICO - É tido como um dos melhores ciclistas de todos os tempos, mas vendo o seu currículo não restam dúvidas de que é o melhor de sempre. Não considera injusto não o cotarem como tal?
Eddy Merckx - Não, nem penso nisso. O mais importante é verem-te como o melhor enquanto competes. Interessa seres o melhor da tua geração. Fazerem comparações entre tempos e épocas diferentes é uma estupidez.
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PÚBLICO - Ao contrário dos outros grandes ícones da modalidade, não se contentou com vencer as grandes Voltas. Ganhou clássicas, campeonatos do mundo, bateu o recorde da hora... Qual era o segredo da sua polivalência?
Eddy Merckx - Era uma combinação de motivação e talento, de uma vontade intrínseca de constante superação pessoal, que implicava o estabelecimento de desafios novos todos os anos. Nunca pensava que era o melhor e que isso bastava, sabia que tinha de me sacrificar mais, trabalhar mais. Noutros esportes é igual. Por exemplo, porque é que o Federer e o Nadal estão há tanto tempo no topo? Porque treinam muito, são verdadeiros desportistas e esforçam-se para ser sempre melhores.
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PÚBLICO - Basta ser-se naturalmente bom?
Eddy Merckx - O talento não é suficiente. É preciso talento, mas depois a pessoa tem de trabalhar muito, caso contrário, mais cedo ou mais tarde, a sua carreira acaba. Veja-se o exemplo do [Frank] Vandenbrouke [morreu de overdose]: tinha talento, estava no topo e perdeu-se em saídas à noite, em discotecas, no consumo de cocaína. Se não se for um desportista na essência da palavra não se vai ter sucesso. É fácil chegar ao topo, difícil é lá ficar.
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PÚBLICO - E, no seu caso, quais foram os traços distintivos?
Eddy Merckx - Ser capaz de sofrer mais do que os outros. E o facto de os meus pais me terem educado muito bem. Deles herdei a força, a coragem, o realismo de saber manter sempre os pés no chão.
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PÚBLICO - Apoiaram-no quando decidiu ser ciclista?
Eddy Merckx - Completamente.
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PÚBLICO - Como descobriu que era essa a profissão que queria ter?
Eddy Merckx - Não sei. Tinha três, quatro anos e dizia que queria ser ciclista. Ninguém da família tinha ligação à modalidade nem ninguém que eu conhecesse. Penso que, da mesma forma que alguém se torna padre ou decide ser advogado, eu senti que queria ser corredor.
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PÚBLICO - Porque abandonou tão novo?
Eddy Merckx - Mentalmente, não era possível continuar. Não foi uma questão de capacidade física, embora tenha tido várias lesões. Tinha sempre de ganhar, de ser o número um. Tinha muito mais pressão do que qualquer outra pessoa. Por exemplo, com o Indurain aconteceu a mesma coisa. Tornou-se demasiado cansativo e senti que tinha de parar.
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PÚBLICO - Deixou de ter motivação?
Eddy Merckx - Estava farto, não tinha a mesma vontade de correr.
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PÚBLICO - Olhando para trás, ficou alguma prova por ganhar?
Eddy Merckx - Não, de maneira nenhuma. Não tenho qualquer arrependimento. Não trocaria uma Milan-San Remo por um Paris-Tour [única clássica que não ganhou].
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PÚBLICO - No momento em que anunciou o seu abandono, descreveu o dia como o mais triste da sua vida. Continua a sentir o mesmo?
Eddy Merckx - Já não. Algum dia tinha de parar. Não podia continuar só pelo dinheiro, era demasiado duro. Não era como hoje em dia. Fazíamos 95 corridas por ano.
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PÚBLICO - Preferia ter-se despedido como Lance Armstrong?
Talvez. Mas, ao contrário dele, nunca tive o impulso de voltar.
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PÚBLICO - Conseguiu desligar-se do ciclismo?
Eddy Merckx - Nunca. Criei uma fábrica de bicicletas, continuo a pegar na bicicleta quase todos os dias, só como hobby. Quem gosta de ciclismo, gosta sempre.
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Fonte Público Desporto
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